INTRODUÇÃO
Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um senhor devasso e cruel.
O romance A Escrava Isaura foi um grande sucesso editorial e permitiu que Bernardo Guimarães se tornasse um dos mais populares romancistas de sua época no Brasil. O autor pretende, nesta obra, fazer um libelo anti-escravagista e libertário e, talvez, por isso, o romance exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a imaginação popular perante as situações intoleráveis do cativeiro. O estudioso Manuel Cavalcanti Proença observa que:
“Numa literatura não muito abundante em manifestação abolicionistas, é obra de muita importância, pelo modo sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o público feminino, que encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa sociedade em que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos; o mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório, bordando, cosendo e ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como se dizia no tempo e ainda se diz neste romance.
Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um senhor devasso e cruel.
O romance A Escrava Isaura foi um grande sucesso editorial e permitiu que Bernardo Guimarães se tornasse um dos mais populares romancistas de sua época no Brasil. O autor pretende, nesta obra, fazer um libelo anti-escravagista e libertário e, talvez, por isso, o romance exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a imaginação popular perante as situações intoleráveis do cativeiro. O estudioso Manuel Cavalcanti Proença observa que:
“Numa literatura não muito abundante em manifestação abolicionistas, é obra de muita importância, pelo modo sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o público feminino, que encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa sociedade em que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos; o mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório, bordando, cosendo e ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como se dizia no tempo e ainda se diz neste romance.
O ENREDO
A história se passa nos “primeiros anos do reinado de D. Pedro II”, inicialmente em uma fazenda em Campos dos Goitacazes (RJ). Isaura, escrava branca e bem-educada, é assediada pelo seu senhor, Leôncio, recém-casado com Malvina. Isaura se recusa a ceder aos apelos de Leôncio, como já fizera, no passado, sua mãe, que, por ter repelido o pai de Leôncio, fora submetida a um tratamento tão cruel que, em pouco tempo, morrera.
Para forçá-la a ceder, Leôncio manda Isaura para a senzala, trabalhar com as outras escravas. Sempre resignada, suporta passivamente o seu destino, porém, não cede a Leôncio, afirmando que ele, como proprietário, era senhor de seu corpo, mas não de seu coração: “ - Não, por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.” Leôncio, enfurecido, ameaça colocá-la no tronco.
No entanto, seu pai, ex-feitor da fazendo, consegue tirá-la de lá e foge com ela para Recife (PE). Em Recife, Isaura usa o nome de Elvira e vive reclusa numa pequena casa com seu pai. Então, conhece Álvaro, por quem se apaixona e é correspondida. Vai a um baile com ele, onde é desmascarada e reconhecida. Álvaro, ainda que surpreso, não se importa com o fato de ela ser uma escrava e resolve impedir que Leôncio a leve de volta, inclusive tentando comprá-la. Mas não consegue convencer o vilão, e este leva Isaura de volta ao cativeiro na fazenda.
Leôncio está praticamente falido e, com o objetivo de conseguir um empréstimo do pai de Malvina, consegue se reconciliar com a mulher, afirmando que Isaura é quem o assediava. Então, para punir Isaura, Leôncio manda que ela se case com Belchior, jardineiro da fazenda. Entretanto, Álvaro descobre a falência de Leôncio e compra a dívida dos seus credores, tornando-se proprietário de todos os seus bens, inclusive de seus escravos. No dia do casamento de Isaura, antes que se celebrasse a cerimônia, Álvaro aparece e reclama seus direitos a Leôncio. Vendo-se derrotado e na miséria, Leôncio suicida-se. Tudo termina, portanto, com a punição dos culpados e o triunfo dos justos.
Como bem o sintetizou Carlos Alberto Vecchi:
“A estrutura narrativa de A Escrava Isaura segue o modelo folhetinesco das histórias românticas: para atingir seu ideal e obter o reconhecimento de todos, o herói tem que realizar uma jornada perigosa, onde a própria vida é colocada em risco. O Amor, epicentro onde se debatem o Bem e o Mal, torna-se a força motriz que conduz ao restabelecimento do equilíbrio e da felicidade a todos que, em momento algum, se deixaram intimidar pelos desmandos de Leôncio. O Mal extirpado (o suicídio de Leôncio) cede lugar ao Bem. E aqueles que nortearam suas ações pelas virtudes maiores é que estão aptos a receber o prêmio daí decorrente.”
OS PERSONAGENS
A obra apresenta a tríade comum aos romances populares românticos: vilão, heroína e herói. E, graças à ausência de profundidade com que são construídos, os personagens do romance são planos, estáticos e superficiais.
Isaura, a heroína escrava, é branca, pura, virginal, possui um caráter nobre e demonstra “conhecer o seu lugar”: do princípio ao fim, suporta conformada a perseguição de Leôncio, as propostas de Henrique, as desconfianças de Malvina, sem jamais se revoltar. Permanece emocionalmente escrava, mesmo tendo sido educada como uma dama da sociedade. Tem escrúpulos de passar por branca livre, acha-se indigna do amor de Álvaro e termina como a própria imagem da “virtude recompensada”.
Vejamos como Guimarães descreve sua heroína:
“A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. (…) Na fronte calma e lisa como o mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração.”
Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso, casando-se com Malvina, linda, ingênua e rica, por ser “um meio mais suave e natural de adquirir fortuna”. Persegue Isaura e se recusa a cumprir a vontade de sua mãe, já falecida, que queria dar a ela a liberdade e alguma renda para viver com dignidade.
Álvaro é um rico herdeiro, cavalheiro nobre e de caráter impecável, que “tinha ódio a todos os privilégios e distinções sociais, e é escusado dizer que era liberal, republicano e quase socialista”; um jovem de idéias igualitárias, idealista e corajoso para lutar contra os valores da sociedade a que pertence. Sua conduta moral é assim descrita pelo autor:
“Original e excêntrico como um rico lorde inglês, professava em seus costumes a pureza e severidade de um quacker. Todavia, como homem de imaginação viva e coração impressionaável, não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância, e sobretudo as mulheres, mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal, próprios das almas elevadas e dos corações bem formados.”
Apaixonado por Isaura, o grande obstáculo que Álvaro precisa vencer é o fato de ser Isaura propriedade legítima de Leôncio. Para isso, vai à corte, descobre a falência de Leôncio, adquire seus bens e desmascara o vilão. Liberta Isaura e casa-se com ela, desafiando, assim, os preconceitos da sociedade escravocrata.
Nos demais personagens o processo de construção é o mesmo. Miguel, pai de Isaura, foge do conceito tradicional do mau feitor. Quando feitor da fazenda de Leôncio, tratara bem aos escravos e amparara Juliana, mãe de Isaura, nas suas desditas com o pai de Leôncio. Pai extremoso, deseja libertar a filha do jugo da escravidão e não mede esforços para isso.
Martinho é o protótipo do ganancioso: cabeça grande, cara larga, feições grosseiras e “no fundo de seus olhos pardos e pequeninos,… reluz constantemente um raio de velhacaria”. Por querer ganhar muito dinheiro entregando Isaura ao seu senhor, acaba por não ganhar nada. Já Belchior é o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda. O crítico Manuel Cavalcanti Proença aponta “o parentesco entre o disforme e grotesco (de gruta) Belchior, e o Quasímodo de O Corcunda de Notre Dame, de Víctor Hugo, romance de extraordinária voga, ainda não de todo perdida, no Brasil.”
O dr. Geraldo é um advogado conceituado, que serve como fiel da balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos. Quando Álvaro, revoltado com a condição de Isaura e indignado com os horrores da escravidão, dispõe-se a unir-se a ela, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade, Geraldo retruca lucidamente que a fortuna de Álvaro lhe dá independência para “satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de
tua imaginação romanesca”. O que não é, na verdade, característica restrita apenas à sociedade escravocrata do século XIX.
CONCESSÃO AO PRECONCEITO?
Este romance já foi considerado, com bastante exagero, uma espécie de A Cabana do Pai Tomás (1851) nacional. Porém, Bernardo Guimarães, ao contrário da romancista americana Harriet Beecher Stowe, detém-se muito pouco na descrição dos sofrimentos provocados pelo regime escravocrata. Ele coloca, na boca de alguns personagens, como Álvaro e seus amigos, estudantes no Recife, algumas frases abolicionistas, mas parece tomar bastante cuidado em não provocar a fúria dos seus leitores conservadores. Está mais preocupado em contar as perseguições do senhor cruel à escrava virtuosa e, assim, conquistar a simpatia do leitor.
Bernardo Guimarães faz questão de ressaltar exaustivamente a beleza branca e pura de Isaura, que não denunciava a sua condição de escrava porque não portava nenhum traço africano, era educada e nada havia nela que “denunciasse a abjeção do escravo”. O que parece uma escolha preconceituosa e contraditória – contar as agruras da escravidão criando uma escrava branca – talvez seja melhor compreeendido se se levar em conta que a maior parte do público que consumia romances na época era composto por mulheres da sociedade, que apreciavam as histórias de amor.
Somem-se a isso o modelo de beleza feminino de então, caracterizado pela pele nívea e maçãs rosadas do rosto e, principalmente, o objetivo do autor de conquistar a solidariedade do leitor pela escrava, mostrando a que ponto extremo poderia chegar o regime escravocrata: “fisicamente, Isaura não é diferente das damas da sociedade, mas, por ser escrava, é obrigada a viver como os de sua classe, como objeto útil nas mãos de seu senhor”, conforme afirma a crítica Maria Nazareth Soares Fonseca.
O autor claramente conseguiu o que queria. A sociedade brasileira do século XIX, que tanto se apiedou das desventuras de Isaura, aceitou-a porque ela era branca e educada. O autor pôde, assim, demonstrar, através do seu sofrimento, o quanto “é vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza”. E é claro, a cor de Isaura serve, como afirma o crítico Antônio Cândido, “para facilitar a ação de Álvaro, compreensivelmente apaixonado e decidido a desposá-la, como fez.”
Se houve influência, portanto, do romance A cabana do Pai Tomás, talvez tenha sido apenas no que o crítico Alfredo Bosi aponta como referência: a cena da fuga de Campos para Recife, “talvez sugerida pela fuga de Elisa através dos gelos flutuantes de Ohio para a liberdade no Norte e por fim no Canadá”. Entretanto, o fato é que, como aponta o crítico, só depois do lançamento de A cabana do Pai Tomás “a literatura brasileira começou a ser povoada de feitores cruéis e de escravos virtuosos”.
A LINGUAGEM
O tratamento exageradamente romântico que o autor aplica neste livro faz com que ele tenha um caráter mais de lenda do que de realidade, ao contrário de seus outros romances, como O Ermitão de Muquém (1864), O Seminarista (1872) e O Garimpeiro (1872), em que a descrição regionalista do ambiente físico e social proporciona mais verossimilhança à trama.
Em A Escrava Isaura, o excesso de imaginação se traduz em “idealização descabida”, como afirma Antonio Candido, que se concretiza no plano da linguagem em descrições repetitivas e mecânicas dos personagens, com abuso de adjetivos redundantes.
Observe-se a descrição de Isaura quando senta-se ao piano no salão de baile no Recife:
A história se passa nos “primeiros anos do reinado de D. Pedro II”, inicialmente em uma fazenda em Campos dos Goitacazes (RJ). Isaura, escrava branca e bem-educada, é assediada pelo seu senhor, Leôncio, recém-casado com Malvina. Isaura se recusa a ceder aos apelos de Leôncio, como já fizera, no passado, sua mãe, que, por ter repelido o pai de Leôncio, fora submetida a um tratamento tão cruel que, em pouco tempo, morrera.
Para forçá-la a ceder, Leôncio manda Isaura para a senzala, trabalhar com as outras escravas. Sempre resignada, suporta passivamente o seu destino, porém, não cede a Leôncio, afirmando que ele, como proprietário, era senhor de seu corpo, mas não de seu coração: “ - Não, por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.” Leôncio, enfurecido, ameaça colocá-la no tronco.
No entanto, seu pai, ex-feitor da fazendo, consegue tirá-la de lá e foge com ela para Recife (PE). Em Recife, Isaura usa o nome de Elvira e vive reclusa numa pequena casa com seu pai. Então, conhece Álvaro, por quem se apaixona e é correspondida. Vai a um baile com ele, onde é desmascarada e reconhecida. Álvaro, ainda que surpreso, não se importa com o fato de ela ser uma escrava e resolve impedir que Leôncio a leve de volta, inclusive tentando comprá-la. Mas não consegue convencer o vilão, e este leva Isaura de volta ao cativeiro na fazenda.
Leôncio está praticamente falido e, com o objetivo de conseguir um empréstimo do pai de Malvina, consegue se reconciliar com a mulher, afirmando que Isaura é quem o assediava. Então, para punir Isaura, Leôncio manda que ela se case com Belchior, jardineiro da fazenda. Entretanto, Álvaro descobre a falência de Leôncio e compra a dívida dos seus credores, tornando-se proprietário de todos os seus bens, inclusive de seus escravos. No dia do casamento de Isaura, antes que se celebrasse a cerimônia, Álvaro aparece e reclama seus direitos a Leôncio. Vendo-se derrotado e na miséria, Leôncio suicida-se. Tudo termina, portanto, com a punição dos culpados e o triunfo dos justos.
Como bem o sintetizou Carlos Alberto Vecchi:
“A estrutura narrativa de A Escrava Isaura segue o modelo folhetinesco das histórias românticas: para atingir seu ideal e obter o reconhecimento de todos, o herói tem que realizar uma jornada perigosa, onde a própria vida é colocada em risco. O Amor, epicentro onde se debatem o Bem e o Mal, torna-se a força motriz que conduz ao restabelecimento do equilíbrio e da felicidade a todos que, em momento algum, se deixaram intimidar pelos desmandos de Leôncio. O Mal extirpado (o suicídio de Leôncio) cede lugar ao Bem. E aqueles que nortearam suas ações pelas virtudes maiores é que estão aptos a receber o prêmio daí decorrente.”
OS PERSONAGENS
A obra apresenta a tríade comum aos romances populares românticos: vilão, heroína e herói. E, graças à ausência de profundidade com que são construídos, os personagens do romance são planos, estáticos e superficiais.
Isaura, a heroína escrava, é branca, pura, virginal, possui um caráter nobre e demonstra “conhecer o seu lugar”: do princípio ao fim, suporta conformada a perseguição de Leôncio, as propostas de Henrique, as desconfianças de Malvina, sem jamais se revoltar. Permanece emocionalmente escrava, mesmo tendo sido educada como uma dama da sociedade. Tem escrúpulos de passar por branca livre, acha-se indigna do amor de Álvaro e termina como a própria imagem da “virtude recompensada”.
Vejamos como Guimarães descreve sua heroína:
“A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada. (…) Na fronte calma e lisa como o mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo celeste da inspiração.”
Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso, casando-se com Malvina, linda, ingênua e rica, por ser “um meio mais suave e natural de adquirir fortuna”. Persegue Isaura e se recusa a cumprir a vontade de sua mãe, já falecida, que queria dar a ela a liberdade e alguma renda para viver com dignidade.
Álvaro é um rico herdeiro, cavalheiro nobre e de caráter impecável, que “tinha ódio a todos os privilégios e distinções sociais, e é escusado dizer que era liberal, republicano e quase socialista”; um jovem de idéias igualitárias, idealista e corajoso para lutar contra os valores da sociedade a que pertence. Sua conduta moral é assim descrita pelo autor:
“Original e excêntrico como um rico lorde inglês, professava em seus costumes a pureza e severidade de um quacker. Todavia, como homem de imaginação viva e coração impressionaável, não deixava de amar os prazeres, o luxo, a elegância, e sobretudo as mulheres, mas com certo platonismo delicado, certa pureza ideal, próprios das almas elevadas e dos corações bem formados.”
Apaixonado por Isaura, o grande obstáculo que Álvaro precisa vencer é o fato de ser Isaura propriedade legítima de Leôncio. Para isso, vai à corte, descobre a falência de Leôncio, adquire seus bens e desmascara o vilão. Liberta Isaura e casa-se com ela, desafiando, assim, os preconceitos da sociedade escravocrata.
Nos demais personagens o processo de construção é o mesmo. Miguel, pai de Isaura, foge do conceito tradicional do mau feitor. Quando feitor da fazenda de Leôncio, tratara bem aos escravos e amparara Juliana, mãe de Isaura, nas suas desditas com o pai de Leôncio. Pai extremoso, deseja libertar a filha do jugo da escravidão e não mede esforços para isso.
Martinho é o protótipo do ganancioso: cabeça grande, cara larga, feições grosseiras e “no fundo de seus olhos pardos e pequeninos,… reluz constantemente um raio de velhacaria”. Por querer ganhar muito dinheiro entregando Isaura ao seu senhor, acaba por não ganhar nada. Já Belchior é o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda. O crítico Manuel Cavalcanti Proença aponta “o parentesco entre o disforme e grotesco (de gruta) Belchior, e o Quasímodo de O Corcunda de Notre Dame, de Víctor Hugo, romance de extraordinária voga, ainda não de todo perdida, no Brasil.”
O dr. Geraldo é um advogado conceituado, que serve como fiel da balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos. Quando Álvaro, revoltado com a condição de Isaura e indignado com os horrores da escravidão, dispõe-se a unir-se a ela, mesmo sabendo que escandalizaria a sociedade, Geraldo retruca lucidamente que a fortuna de Álvaro lhe dá independência para “satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de
tua imaginação romanesca”. O que não é, na verdade, característica restrita apenas à sociedade escravocrata do século XIX.
CONCESSÃO AO PRECONCEITO?
Este romance já foi considerado, com bastante exagero, uma espécie de A Cabana do Pai Tomás (1851) nacional. Porém, Bernardo Guimarães, ao contrário da romancista americana Harriet Beecher Stowe, detém-se muito pouco na descrição dos sofrimentos provocados pelo regime escravocrata. Ele coloca, na boca de alguns personagens, como Álvaro e seus amigos, estudantes no Recife, algumas frases abolicionistas, mas parece tomar bastante cuidado em não provocar a fúria dos seus leitores conservadores. Está mais preocupado em contar as perseguições do senhor cruel à escrava virtuosa e, assim, conquistar a simpatia do leitor.
Bernardo Guimarães faz questão de ressaltar exaustivamente a beleza branca e pura de Isaura, que não denunciava a sua condição de escrava porque não portava nenhum traço africano, era educada e nada havia nela que “denunciasse a abjeção do escravo”. O que parece uma escolha preconceituosa e contraditória – contar as agruras da escravidão criando uma escrava branca – talvez seja melhor compreeendido se se levar em conta que a maior parte do público que consumia romances na época era composto por mulheres da sociedade, que apreciavam as histórias de amor.
Somem-se a isso o modelo de beleza feminino de então, caracterizado pela pele nívea e maçãs rosadas do rosto e, principalmente, o objetivo do autor de conquistar a solidariedade do leitor pela escrava, mostrando a que ponto extremo poderia chegar o regime escravocrata: “fisicamente, Isaura não é diferente das damas da sociedade, mas, por ser escrava, é obrigada a viver como os de sua classe, como objeto útil nas mãos de seu senhor”, conforme afirma a crítica Maria Nazareth Soares Fonseca.
O autor claramente conseguiu o que queria. A sociedade brasileira do século XIX, que tanto se apiedou das desventuras de Isaura, aceitou-a porque ela era branca e educada. O autor pôde, assim, demonstrar, através do seu sofrimento, o quanto “é vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza”. E é claro, a cor de Isaura serve, como afirma o crítico Antônio Cândido, “para facilitar a ação de Álvaro, compreensivelmente apaixonado e decidido a desposá-la, como fez.”
Se houve influência, portanto, do romance A cabana do Pai Tomás, talvez tenha sido apenas no que o crítico Alfredo Bosi aponta como referência: a cena da fuga de Campos para Recife, “talvez sugerida pela fuga de Elisa através dos gelos flutuantes de Ohio para a liberdade no Norte e por fim no Canadá”. Entretanto, o fato é que, como aponta o crítico, só depois do lançamento de A cabana do Pai Tomás “a literatura brasileira começou a ser povoada de feitores cruéis e de escravos virtuosos”.
A LINGUAGEM
O tratamento exageradamente romântico que o autor aplica neste livro faz com que ele tenha um caráter mais de lenda do que de realidade, ao contrário de seus outros romances, como O Ermitão de Muquém (1864), O Seminarista (1872) e O Garimpeiro (1872), em que a descrição regionalista do ambiente físico e social proporciona mais verossimilhança à trama.
Em A Escrava Isaura, o excesso de imaginação se traduz em “idealização descabida”, como afirma Antonio Candido, que se concretiza no plano da linguagem em descrições repetitivas e mecânicas dos personagens, com abuso de adjetivos redundantes.
Observe-se a descrição de Isaura quando senta-se ao piano no salão de baile no Recife:
“A fisionomia, cuja expressão habitual era toda modéstia, ingenuidade e candura, animou-se de luz insólita; o busto admiravelmente cinzelado ergueu-se altaneiro e majestoso; os olhos extáticos alçavam-se cheios de esplendor e serenidade; os seios, que até ali apenas arfavam como as ondas de um lago em tranqüila noite de luar, começaram de ofegar, túrgidos e agitados, como oceano encapelado; seu colo distendeu-se alvo e esbelto como o do cisne, que se apresta a desprender os divinais gorgeios. Era o sopro da inspiração artística, que, roçando-lhe pela fronte, a transformava em sacerdotisa do belo, em intérprete inspirada das harmonias do céu.”
O AMOR E A DONZELA INEXPUGNÁVEL
“Os motivos que compõem romance”, segundo Cavalcanti Proença, “são filiados nos velhos e perenes topos” – ou temas – “da literatura popular. O amor à primeira vista é um deles. Ver e amar é um verbo só. E isso porque a narrativa não é a história de um amor, mas dos sofrimentos do amor. (…) Para isso se entretecem os conflitos de escrava que não tem direito de amar, os do homem casado que não deve trair a esposa. (Amor verdadeiro só o primeiro.)”
Entre esses temas, há um que remonta à literatura medieval e que domina a narrativa como um todo, a partir da descrição de Isaura como pura e virtuosa, lutando contra a luxúria do seu senhor. É o da donzela inexpugnável, que defende sua pureza com todas as forças de que dispõe, preferindo arriscar-se à morte na fuga a se entregar sexualmente.
Entre os precursores da literatura folhetinesca está o romancista e tipógrafo inglês Samuel Richardson (1689-1761). A sua novela Pamela, ou a Virtude Recompensada, publicada em 1741, certamente é uma das fontes de inspiração mais contundentes para a composição do romance de Bernardo Guimarães. Nessa obra, Richardson narra as desventuras de Pamela Andrews, filha de camponeses que é educada por uma senhora nobre que, ao morrer, a entrega aos cuidados de seu filho, o Conde de Belfart. Esse jovem inescrupuloso atenta contra a virtude de Pamela, assediando-lhe com ameaças vis e acaba por entregar-lhe a uma vulgar alcoviteira. Mas Pamela, como Isaura, consegue defender-se, mantendo intacta a sua honra. Acaba por comover com suas lágrimas abundantes o Conde de Belfart que, arrependido, termina se casando com a heroína.
Bernardo Guimarães acrescenta à trama romanesca inventada por Richardson a figura do cavalheiro salvador Álvaro e a temática bem brasileira da escravidão.
Também Castro Alves, o maior dos nossos escritores abolicionistas, refere-se à defesa da virtude das escravas, em poemas como Súplica, do livro Os Escravos (1883):
O AMOR E A DONZELA INEXPUGNÁVEL
“Os motivos que compõem romance”, segundo Cavalcanti Proença, “são filiados nos velhos e perenes topos” – ou temas – “da literatura popular. O amor à primeira vista é um deles. Ver e amar é um verbo só. E isso porque a narrativa não é a história de um amor, mas dos sofrimentos do amor. (…) Para isso se entretecem os conflitos de escrava que não tem direito de amar, os do homem casado que não deve trair a esposa. (Amor verdadeiro só o primeiro.)”
Entre esses temas, há um que remonta à literatura medieval e que domina a narrativa como um todo, a partir da descrição de Isaura como pura e virtuosa, lutando contra a luxúria do seu senhor. É o da donzela inexpugnável, que defende sua pureza com todas as forças de que dispõe, preferindo arriscar-se à morte na fuga a se entregar sexualmente.
Entre os precursores da literatura folhetinesca está o romancista e tipógrafo inglês Samuel Richardson (1689-1761). A sua novela Pamela, ou a Virtude Recompensada, publicada em 1741, certamente é uma das fontes de inspiração mais contundentes para a composição do romance de Bernardo Guimarães. Nessa obra, Richardson narra as desventuras de Pamela Andrews, filha de camponeses que é educada por uma senhora nobre que, ao morrer, a entrega aos cuidados de seu filho, o Conde de Belfart. Esse jovem inescrupuloso atenta contra a virtude de Pamela, assediando-lhe com ameaças vis e acaba por entregar-lhe a uma vulgar alcoviteira. Mas Pamela, como Isaura, consegue defender-se, mantendo intacta a sua honra. Acaba por comover com suas lágrimas abundantes o Conde de Belfart que, arrependido, termina se casando com a heroína.
Bernardo Guimarães acrescenta à trama romanesca inventada por Richardson a figura do cavalheiro salvador Álvaro e a temática bem brasileira da escravidão.
Também Castro Alves, o maior dos nossos escritores abolicionistas, refere-se à defesa da virtude das escravas, em poemas como Súplica, do livro Os Escravos (1883):
“Que a donzela não manche em leito impuro
A grinalda do amor.
Que a honra não se compre ao carniceiro
Que se chama senhor.”
FOCO NARRATIVO O foco narrativo do livro Escrava Isaura é na terceira pessoa.
OUTRAS ANÁLISES
PERSONAGENS
PROTAGONISTA
Isaura: Uma escrava branca, da cor do marfim, magra, estatura pequena, cabelos longos, muito bonita, pura, virginal, possuía um caráter nobre, inteligente, era dotada de natural bondade e muito singela de coração, além disso, sabia ler e escrever, falava italiano, francês e tocava piano.
ANTAGONISTA Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso. Homem de aparência rude era o herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador, seu pai. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor.
Leôncio é (filho do Comendador Almeida), mau caráter, dominador, mandão mais de boa aparência.
OUTROS PERSONAGENS
Comendador Almeida (Dono da Fazenda) um homem rude, imundo, avarento e canalha.
Feitor Miguel (pai de Isaura e Capataz da Fazenda), homem bom e forte. Tratara bem aos escravos.
Juliana (mãe de Isaura). Era a mais linda escrava e sofria de privações, por não querer ser amante do Comendador Almeida.
Malvina (esposa de Leôncio), mulher dócil e bonita.
Henrique (cunhado de Leôncio), rapaz bom, estudioso e rico.
Elvira e Anselmo (nomes de Isaura e Miguel, quando fogem e vão morar em Recife)
Álvaro (abolicionista), moço bonito, rico, liberal e republicano.
Martinho (estudante), ganancioso e desprezível, cabeça grande, cara larga, feições grosseiras, olhos pardos e pequeninos.
Belchior (Jardineiro), um ser disforme e desprezível. É o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda.
Dr. Geraldo: é um advogado conceituado, que serve como fiel da balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos.
Isaura: Uma escrava branca, da cor do marfim, magra, estatura pequena, cabelos longos, muito bonita, pura, virginal, possuía um caráter nobre, inteligente, era dotada de natural bondade e muito singela de coração, além disso, sabia ler e escrever, falava italiano, francês e tocava piano.
ANTAGONISTA Leôncio é o vilão leviano, devasso e insensível que, de “criança incorrigível e insubordinada” e adolescente que sangra a carteira do pai com suas aventuras, acaba por tornar-se um homem cruel e inescrupuloso. Homem de aparência rude era o herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador, seu pai. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor.
Leôncio é (filho do Comendador Almeida), mau caráter, dominador, mandão mais de boa aparência.
OUTROS PERSONAGENS
Comendador Almeida (Dono da Fazenda) um homem rude, imundo, avarento e canalha.
Feitor Miguel (pai de Isaura e Capataz da Fazenda), homem bom e forte. Tratara bem aos escravos.
Juliana (mãe de Isaura). Era a mais linda escrava e sofria de privações, por não querer ser amante do Comendador Almeida.
Malvina (esposa de Leôncio), mulher dócil e bonita.
Henrique (cunhado de Leôncio), rapaz bom, estudioso e rico.
Elvira e Anselmo (nomes de Isaura e Miguel, quando fogem e vão morar em Recife)
Álvaro (abolicionista), moço bonito, rico, liberal e republicano.
Martinho (estudante), ganancioso e desprezível, cabeça grande, cara larga, feições grosseiras, olhos pardos e pequeninos.
Belchior (Jardineiro), um ser disforme e desprezível. É o símbolo da estupidez submissa e também sua descrição física se presta a demonstrar sua conduta: feio, cabeludo, atarracado e corcunda.
Dr. Geraldo: é um advogado conceituado, que serve como fiel da balança para Álvaro, já que procura equilibrar os arroubos do amigo, mostrando-lhe a realidade dos fatos.
TEMPO CRONOLÓGICO (QUANDO A DURAÇÃO APROXIMADAMENTE DA HISTÓRIA)
Escrito na campanha abolicionista (1875). O autor pretende, nesta obra, fazer uma acusação documentada anti - escravo e da liberdade. O autor explorou uma das questões mais polêmicas da sociedade brasileira da época: a escravidão.
LUGAR (ES) ONDE ACONTECEU O ROMANCE.
Município de Campos de Goitacases (Rio de Janeiro) e Recife.
RESUMO DA OBRA IIEm uma bela fazenda, no município de Campos de Goitacases (RJ), morava Isaura, uma linda escrava de cor de marfim. Isaura era filha de uma bonita escrava que por não se sujeitar aos sórdidos desejos do senhor comendador Almeida (dono da casa) sofreu as mais terríveis privações. Esta escrava teve um caso com o feitor Miguel, que era um bom homem e não aceitou castigá-la como mandou o seu senhor, sendo Isaura fruto desse relacionamento. Isaura foi educada pela mulher do comendador, e era dotada de natural bondade e candura do coração além de saber ler, escrever, italiano, francês e piano. A mulher do comendador tinha desejo de libertar Isaura, porém não fazia para conservá-la perto e assim ter companhia. O Sr. Almeida se aposenta, retirando-se para a corte e entrega a fazenda a seu filho Leôncio. Este era digno herdeiro de todos os maus instintos e devassidão do comendador.
Casou-se por especulação. Nutre por Isaura o mais cego e violento amor. Ele chega à fazenda com sua mulher - Malvina - e seu cunhado - Henrique. Malvina era mulher dócil e tratava Isaura muito bem. Henrique era um filho rico, estudante de medicina, e também ficou tocado pela beleza de Isaura. Morre a mãe de Leôncio sem deixar testamento que libertasse Isaura. Henrique rapidamente percebe as intenções de Leôncio para com Isaura. Temendo que ele traia sua irmã, adverte que não vai tolerar tal ato. Henrique se oferece como amante para Isaura e daria em troca sua liberdade. O jardineiro da fazenda, um ser disforme e desprezível, também se oferece como amante. Isaura não dá atenção a essas propostas, e diz nunca casar sem amor. Leôncio é avistado por Henrique e Malvina quando fazia semelhante proposta à Isaura. Malvina sentencia: ou ela (Isaura) ou eu.
No mesmo momento da calorosa discussão, aparece o pai de Isaura com o dinheiro suficiente, uma enorme quantia de 10 contos de réis, para comprar a liberdade dela conforme havia prometido o comendador Almeida. Leôncio não aceita o dinheiro e dá desculpas . Morre o pai de Leôncio e ele finge imensa tristeza por dias, e fica temporariamente sem brigar com a mulher. Passado certo tempo, Malvina continua a pressão para libertar Isaura. Com as desculpas e adiamentos de Leôncio, ela decide voltar para casa do seu pai. A sua saída era caminho livre para os intentos indecentes de Leôncio. Como Isaura continuava a resistir, Leôncio ameaça com torturas. Miguel, sabendo do acontecido, decide fugir com Isaura para o Norte. Chegando a Recife, Isaura muda seu nome para Elvira e Miguel para Anselmo (para ninguém os descobrirem) passando a morarem numa chácara no bairro de Santo Antônio. Álvaro era um moço rico, filho de uma distinta e opulente família, liberal, republicano e abolicionista ao extremo.
Ele avista Isaura ao passear perto da sua chácara e a conhece, passando a visitá-la constantemente. Álvaro se utiliza de todos os meios para convencer Isaura a ir a um baile com ele. Isaura não queria ir para não enganar a sociedade e iludir o seu amante. Ela por diversas vezes tentou contar a Álvaro que se tratava de uma escrava fugida, mas não tinha coragem. No baile, Isaura se destaca no meio de todas as mulheres devido a sua beleza e por tocar muito bem piano. Contudo, é reconhecida por Martinho - um estudante de sórdida ganância e espírito de cobiça - que havia guardado um anúncio de escravo fugido. Ele provoca um escândalo durante o baile e Isaura confessa diante de toda a sociedade se tratar de uma escrava. Álvaro, não obstante, defende Isaura das mãos imundas de Martinho. Martinho, sem conseguir levá-la, escreve para Leôncio informando que havia achado sua escrava. Graças à valiosa intervenção de Álvaro, Miguel e Isaura continuam na sua chácara em Santo Antônio na espera das ações que ele havia prometido tomar. Isaura conta que fugiu para escapar do amor de um senhor cruel. Enquanto Álvaro se encontrava na chácara, Leôncio aparece para sua surpresa e exige levar Isaura. Leôncio encontrava-se munido de um mandado de prisão contra Miguel e guardas para levar sua escrava.
A aparição é seguida de forte discussão e Álvaro avança contra Leôncio. A briga é cessada com a aparição de Isaura que se entrega ao seu senhor.
Isaura volta à fazenda onde fica na mais completa reclusão. Leôncio volta para Malvina, pois iria precisar do seu dinheiro. Miguel é ludibriado na cadeia e convencido a tentar persuadir Isaura a se casar com Belchior, o jardineiro da fazenda, em troca da liberdade sua e da filha. Isaura aceita o sacrifício, pois estava sem forças e sem esperança. Leôncio já havia tomado todas as providências para o casamento, quando é informado que alguns cavalheiros chegaram. Pensando se tratar do vigário e do tabelião, manda eles entrarem. Fica surpreso ao ver Álvaro. Este tinha ido ao Rio de Janeiro e descobre com alguns comerciantes que Leôncio estava falido. Compra os seus créditos e fica dono de toda a dívida de Leôncio.
Álvaro fala para Leôncio que nada mais o pertence, que toda a sua fazenda incluindo os escravos passava a ser dele com a execução dos débitos. Isaura abraça Álvaro. Leôncio jura que nunca irá implorar a sua generosidade para abrandar a dívida. Ele se ausenta da sala e se mata.
VOCABULÁRIO
Sórdidos: sujo, imundo, nojento.
Candura: cândido, singelo.
Devassidão: devasso, libertinagem.
Especulação: investigação.
Disforme: desfigurado, horroroso.
Opulente: abundância, luxo, grande riqueza.
Ganância: anciã exagerada de ganho.
Reclusão: Prisão.
COMENTÁRIOS
O romance foi um grande sucesso editorial e permitiu que Bernardo Guimarães se tornasse um dos mais populares romancistas de sua época. O autor pretende, nesta obra, fazer um libelo antiescravagista e libertário e, talvez, por isso, o romance exceda em idealização romântica, a fim de conquistar a imaginação popular perante as situações intoleráveis do cativeiro. O estudioso Manuel Cavalcanti Proença observa que:
Numa literatura não muito abundante em manifestação abolicionistas, é obra de muita importância, pelo modo sentimental como focalizou o problema, atingindo principalmente o público feminino, que encontrava na literatura de ficção derivativo e caminho de fuga, numa sociedade em que a mulher só saía à rua acompanhada e em dias pré-estabelecidos; o mais do tempo ficava retida em casa, sem trabalho obrigatório, bordando, cosendo, ouvindo e falando mexericos, isto é, enredos e intrigas, como se dizia no tempo e ainda se diz neste romance.Escrito em plena campanha abolicionista (1875), o livro conta as desventuras de Isaura, escrava branca e educada, de caráter nobre, vítima de um senhor devasso e abuso sexual
Bernardo Guimarães faz questão de ressaltar exaustivamente a beleza branca e pura de Isaura, que não denunciava a sua condição de escrava porque não portava nenhum traço africano, era educada e nada havia nela que "denunciasse a abjeção do escravo". O que parece uma escolha preconceituosa e contraditória – contar as agruras da escravidão criando uma escrava branca – talvez seja melhor compreeendido se levar em conta que a maior parte do público que consumia romances na época era composto por mulheres da sociedade, que apreciavam as histórias de amor.
O autor claramente conseguiu o que queria. A sociedade brasileira do século XIX, que tanto se apiedou das desventuras de Isaura, aceitou-a porque ela era branca e educada. O autor pôde, assim, demonstrar, através do seu sofrimento, o quanto "é vã e ridícula toda a distinção que provém do nascimento e da riqueza". E é claro, a cor de Isaura serve, como afirma o crítico Antônio Cândido, "para facilitar a ação de Álvaro, compreensivelmente apaixonado e decidido a desposá-la, como fez."
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